Devemos repensar a graduação

Tito Spadini
7 min readDec 18, 2017

Pensando na elaboração deste artigo, confesso que tive em mente apenas os casos de colegas meus de graduação e, é claro, o meu próprio caso. Contudo, pude observar que o problema a ser aqui explorado não é de nossa exclusividade. Acredito fortemente que seja algo comum, independentemente do curso em questão. Talvez sequer seja um problema referente apenas à graduação, mas sim algo ainda mais geral. O lado bom é que sempre há caminhos a serem seguidos para tentarmos contornar esse problema, então não há motivo para desesperos.

Conforme eu me aproximei da conclusão da graduação, comecei a sentir que alguns dos conceitos que eu (supostamente) deveria dominar, na verdade, não estavam nem um pouco sólidos, seja por terem sido esquecidos, seja por jamais terem sido realmente aprendidos. E aqui eu aproveito para convidar aos leitores deste artigo que seja feita uma reflexão. Pense nos conceitos chave pelos quais você já passou ao estudar algo e pergunte-se:

“Estaria eu verdadeiramente apto a explicar esse conceito a outra pessoa?”

Perceba que o ponto aqui deixou de ser apenas “passar na matéria”, ou seja, o que é esperado com essa pergunta não é saber se você seria capaz de efetuar o cálculo, mas, sim, se você seria capaz de explicar bem para uma outra pessoa qual é o significado do que se propõe a analisar ou a calcular ali. Para os meus colegas que cursam Engenharia de Informação, eu deixo alguns exemplos de conceitos na forma das perguntas a seguir:

  1. O que é uma Variável Aleatória?
  2. Qual o significado de uma DFT e qual a sua diferença em relação à DTFT?
  3. O que é um Sinal?
  4. O que significa a Convolução de dois sinais no domínio do tempo?
  5. Para quê deve ser realizado um Casamento de Impedâncias?
  6. Codificação e Modulação são etapas feitas com qual objetivo?
  7. Que tipo de informação se pode obter com um Diagrama de Bode?
  8. Quais as principais diferenças entre TCP e UDP?
  9. Em um contexto de teoria da informação, qual o significado de Entropia?
  10. O que é exatamente um ruído do tipo AWGN?
  11. Quais são as etapas necessárias para se Digitalizar uma música?
  12. O que faz um Transistor?

Essas podem não ser, nem de longe, as melhores perguntas para verificar se você teve uma boa formação ou não, mas são perguntas boas o bastante para verificar se você gosta da área que escolheu. Digo isso porque não há problema em não saber responder essas perguntas. O problema mesmo está em você não querer saber quais são as respostas, pois esse caso geralmente indica que se trata de algo que não lhe desperta qualquer interesse. E é aí que está o problema. Isso me fez levantar uma crítica que julgo ser interessante:

“Nós estudamos para passarmos nas disciplinas ou estudamos para efetivamente aprendermos?”

É claro que todos nós queremos ser aprovados em todas as disciplinas que cursarmos. Não há qualquer sentido em esperar que algum de nós se matricule em uma disciplina querendo ser reprovado. As reprovações ocorrem por muitos motivos. Alguns deles são muito mais recorrentes do que outros. Os principais motivos podem ser resumidos como faltas de: base, empenho e organização.

A falta de base ocorre quando o aluno se matricula em uma disciplina que depende de conhecimentos básicos que ele ainda não possui. Se não forem muitos conhecimentos em falta, é possível que o aluno “corra atrás” do que estiver faltando em paralelo, o que pode permitir que ele supere essa dificuldade e consiga aproveitar a disciplina mais avançada. A falta de empenho é o caso em que o aluno pode até ter a base necessária, mas não se dedica o mínimo necessário para aproveitar bem a disciplina. E a falta de organização é o caso em que o aluno pode até ter a base e pode até se empenhar, mas estuda de forma totalmente desorganizada e, por isso, acaba se prejudicando.

Mas o grande problema, na verdade, não está no caso em que o aluno é reprovado, pois nesse caso o aluno simplesmente precisará refazer a disciplina, o que talvez o incentive a olhar para ela de uma forma um pouco mais madura. O problema mesmo está no caso em que o aluno é aprovado na disciplinas, mas sem realmente ter absorvido os conhecimentos necessários. Eu não me refiro aos casos em que um ou outro conceito ficou um pouco “frouxo”, mas sim aos casos em que o aluno, de certa forma, “foi empurrado para frente” e acabou sendo aprovado de alguma forma.

Muitos conseguem isso com a ajuda de colegas que fazem os trabalhos, relatórios e listas de exercícios e compartilham com os demais sem que haja qualquer preocupação com a questão do aprendizado nessa relação. Dependendo de como for feito o cálculo da média e de como forem atribuídos os conceitos, o aluno pode acabar sendo aprovado sem ter sequer tocado nos relatórios de laboratórios, sem ter preparado praticamente nada do projeto final, entregando listas de exercícios inteiramente copiadas de seus colegas e acertando apenas algumas poucas coisas aqui e ali nas provas, muito mais por se decorarem alguns passos das resoluções que leram ao copiarem (passando a limpo) para entregarem como se tivessem sido os autores originais. Isso, é claro, sem falar nos casos em que os alunos “colam”.

Grande parte dos colegas que têm tal postura são pessoas que, de alguma forma, estão desesperadas para concluírem logo os seus estudos para que, finalmente, possam “pegar o diploma” e mostrar para si mesmas, para seus amigos, para seus parentes e para o restante de todo o mundo que elas conseguiram se formar. Elas querem ir atrás de um emprego o quanto antes, até mesmo se esse “antes” for cedo o bastante para sequer fazer algum sentido.

Muitos que nem mesmo chegaram a concluir o primeiro período do curso já vão atrás de oportunidades de estágio por uma vasta gama de motivos. Muitos realmente precisam do dinheiro para se sustentarem, mas uma grande parcela deseja conseguir “se bancar” sem depender dos pais para tudo, mesmo ainda não havendo qualquer urgência para isso, seja para viajarem, para irem a festas, para terem um carro, para terem um Smartphone mais caro etc.

Eu aproveito este artigo para mencionar o caso daqueles que menosprezam o valor da teoria. Isso geralmente vem de uma ideia popular (e errada) de que a teoria de nada vale. Há até instituições que se aproveitam da visão popular de que “aprender mesmo é só na prática” e que “só se aprende fazendo” para se promoverem na mídia como sendo instituições que vão “inseri-lo no mercado”, “prepará-lo para o mercado”, “direcioná-lo para o mercado”. Os que “compram esse peixe” costumam achar que é preciso começar a estagiar o quanto antes, inclusive se for para estagiar em uma área que nada tem a ver com o que se estuda, passando a ideia de que a “parte que presta” da universidade é só “o papel” (diploma).

Pensamentos como o mencionado no parágrafo anterior fazem com que a pessoa apenas queira concluir logo a sua graduação, independentemente de aprender ou não aprender o que deveria. O compromisso com o conhecimento é zero, pois a única coisa que realmente importa é estar bem empregado, sendo que “bem empregado” aqui pode ser traduzido como “muito bem remunerado”, pois muitos ignoram completamente a área de seu curso e desviam-se para as áreas que pagam melhor imediatamente, até mesmo se a diferença nem for tanta e se o prazer pela atividade profissional melhor remunerada for muito menor. Ou seja, a universidade para esses é um mero “trampolim” para se ter mais dinheiro.

Quando não se tem qualquer amor pela área escolhida, dificilmente se conseguirá manter a curiosidade, o interesse e a concentração nos estudos, sempre querendo saber mais, sempre querendo entender os porquês, sempre querendo saber de onde veio cada coisa. E sem esse interesse, em vez de prazeroso, o tempo da graduação será, infelizmente, um martírio. Será uma época em que toda atividade será chata, desprazerosa, cansativa, maçante, desgastante, árdua e penosa. Não haverá momentos felizes em leituras relacionadas aos conhecimentos da área, não haverá momentos felizes em aulas da área, não haverá momento algum de satisfação em qualquer atividade que seja vista como estudo, preparação e desenvolvimento. Tudo será apenas uma vagarosa e fúnebre contagem regressiva para a colação. Se assim for, então os momentos de prazer durante essa fase da vida se resumirão aos breves instantes de “alívios” desse estresse, seja em bares, seja em feriados.

Apesar disso, eu compreendo que o modelo tradicional de ensino é bastante questionável. Por melhor intencionados que sejam os professores, o modelo tradicional ainda insiste na utilização de provas. Todo um ambiente de terror é formado em torno desse tipo de avaliação. Em vez de continuamente avaliados com calma pelo professor, de uma a três vezes no período, o aluno é colocado sentado por horas em frente a um pedaço de papel cheio de questões para serem resolvidas de forma bastante acelerada, sem muito tempo para pensar, sem a possibilidade de interagir com qualquer recurso de consulta, sem que seja incentivado qualquer tipo de debate. Cobra-se, portanto, uma memória excelente por parte do aluno, o que é popularmente conhecido como “decoreba”. Como alternativa às provas, poderiam ser feitos projetos, seminários, listas de exercícios em grupo com discussões intermediadas pelo professor etc. De qualquer forma, infelizmente, muitos ainda são resistentes a mudanças, referindo-me aqui a alunos e professores.

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Tito Spadini

Ph.D. student in information engineering, scientist, researcher, writer, programmer, and gamer.