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O papel do Chair em conferências científicas

Tito Spadini
8 min readJan 18, 2021

Toda conferência científica é um evento que envolve todo um grande conjunto de preparativos. Quem nunca participou de um evento desses — ou, quem sabe, até mesmo quem participou mas não se atentou muito a isso — dificilmente sabe disso, mas um evento pode ser algo terrivelmente complexo de ser organizado. Alguns eventos científicos são tão complexos, que, por mais difícil que seja de acreditar, podem levar até mesmo alguns anos para serem completamente organizados.

Por ter participado da organização de alguns desses eventos, mesmo tendo sido eventos pequenos, eu já pude perceber o quão complexa pode ser sua organização. São muitos elementos a serem levados em consideração, e dificilmente você terá condições de se envolver com cada um desses elementos; por isso, é preciso ter toda uma equipe, que deverá continuar atuando durante o evento e, em parte, até mesmo após o evento já ter sido concluído. O papel do Chair aparece justamente durante o evento; não antes e nem depois. Será sobre esse papel que eu falarei aqui, é claro, fornecendo a minha própria visão sobre isso; portanto, estou ciente de que existem formas diferentes de se avaliar as questões a serem aqui trazidas e discutidas.

O Chair é o indivíduo que participará da organização do evento em termos de condução de uma sessão de apresentação de trabalhos, que também pode ser chamada de “sessão técnica”, “sessão especial”, “sessão de trabalhos orais”, além de tantos outros nomes que já vi serem atribuídos para a mesmíssima coisa. É uma pessoa que está ali para contribuir para o bom andamento do evento, mas limitando-se a apenas uma sessão específica, independentemente de ser presencial ou virtual.

Percebam que o Chair só lida com pessoas que já tiveram seus trabalhos submetidos, avaliados e aceitos; não há pesquisadores que ainda estejam em processo de avaliação; e, como apenas trabalhos aceitos podem ser apresentados, necessariamente, não haverá trabalhos que não tenham sido previamente avaliados e aceitos pelos revisores, que são os responsáveis pelas avaliações e, portanto, não cabendo a ninguém mais o papel de avaliador.

Tendo bem claro em nossas mentes o que foi dito no parágrafo anterior, vamos compreender um pouco sobre quais são as responsabilidades de tal indivíduo. São papéis de um Chair:

  1. Garantir que a sessão pela qual é responsável se inicie no horário definido pela organização do evento;
  2. Possuir uma lista com os títulos dos trabalhos e seus respectivos autores, lembrando-se de que os trabalhos podem ter mais de um autor, e não necessariamente será o primeiro autor o responsável pela apresentação;
  3. Explicar aos participantes como se dará a condução da sessão a ser iniciada em breve;
  4. Certificar-se de que os participantes que forem apresentar seus trabalhos respeitem as limitações de tempo em suas apresentações e, também, nas sessões de perguntas;
  5. Preparar as transições entre a apresentação e a sessão de perguntas de cada trabalho, além das transições entre o encerramento de um dos trabalhos e o convite para que o próximo trabalho já esteja preparado para começar sua apresentação;
  6. Na maioria dos casos, cabe também ao Chair a tarefa de fazer uma brevíssima introdução de quem fará a apresentação do trabalho a seguir;
  7. Deixar preparadas, como Backup, ao menos duas perguntas a cada um dos apresentadores de trabalhos, que deverão ser efetivamente feitas ao apresentador, exclusivamente, no caso de absolutamente nenhum membro da plateia de espectadores se manifestar quando for aberta a sessão de perguntas, e só deverão ser feitas as duas perguntas se o tempo permitir;
  8. Ter uma postura diplomática, mas assertiva, para saber se será preciso pular uma sessão de perguntas por alguma razão, já sabendo que, caso seja necessário agir de tal forma, deve-se convidar elegantemente os participantes a procurarem os autores do trabalho para prosseguirem com eventuais discussões, além de, à medida do possível, procurar pedir desculpas pela inconveniência durante o encerramento da sessão;
  9. Estar preparado para lidar com eventuais problemas técnicos de forma serena e equilibrada, o que deve ir muito além de simplesmente não entrar em pânico, pois é preciso saber exatamente o que fazer ou a quem chamar em caso de problemas técnicos;
  10. Estar ciente de que, embora esteja lidando com um ambiente intelectualmente evoluído, ainda são seres humanos, e os ânimos podem se exaltar, o que significa que é preciso saber utilizar-se de diplomacia e comunicação não violenta para garantir a melhor fluidez possível a todo o andamento da sessão;
  11. Manter a comunicação com a organização do evento para eventuais esclarecimentos de dúvidas pertinentes naquele momento, ou mesmo para passar algum recado conveniente durante a sessão;
  12. Realizar um encerramento diplomático e profissional, agradecendo a todos pela participação, tanto aos autores dos trabalhos quanto aos espectadores, além de fornecer informações adicionais que sejam relevantes naquele momento.

Tenho plena consciência de que isso não é uma ciência exata. Muitas pessoas dirão que faltam atribuições; muitas outras, certamente, dirão que existem atribuições em demasia nessa lista. De qualquer forma, temos aí uma lista de atribuições bastante típicas ao que se entende por um bom Chair. Se o Chair entregasse exatamente o que essa lista de atribuições expõe, garanto que as chances de o andamento da sessão ser bom aumentariam substancialmente.

Infelizmente, nem todos os indivíduos convidados para serem Chair de alguma sessão colocam em prática tais ideias. A bem da verdade, a própria seleção de quem será Chair de cada sessão é, em muitos casos, feita de maneira agressivamente questionável. Muitas conferências preferem optar por indivíduos com grande renome como pesquisadores, ainda que tenham pouca (ou nenhuma) noção ou concordância quanto a qualquer uma das atribuições que mencionei na lista. Há, também, quem prefira simplesmente colocar como Chair quem for “da casa”, no caso de eventos cuja organização tenha as “mãos” de alguma instituição local. E há até quem escolha os indivíduos para tal posição de uma forma que chega a ser ainda mais irresponsável, que é, por exemplo, atribuindo o papel de Chair a algum autor de trabalho que será apresentado naquela sessão.

Sinceramente, não sei em qual dos casos mencionados a situação é a pior. No primeiro cenário, podemos ter indivíduos que, apesar de altamente qualificados como pesquisadores em suas áreas, podem ser indivíduos que nada compreendem sobre organização e condução de eventos, além de serem pessoas com baixíssimo nível de diplomacia, empatia e carisma, que são características essenciais para tal posição. O segundo caso seria aquele baseado em “panelinha” ou “clubinho” e, portanto, não avalia adequadamente quem deve assumir a posição, que é seríssima. E o terceiro (e último) caso já apela para o mais relapso nível de desorganização, pois atribui quase que aleatoriamente quem deve ser o responsável por um papel tão poderoso em relação ao bom andamento do evento.

A pessoa não tem uma fama muito boa quanto à pontualidade? Não serve. Não sabe dialogar com o próximo utilizando comunicação não violenta? Não serve. Não sabe utilizar qualquer ferramenta de comunicação para se manter “antenada” perante a organização do evento? Não serve. Tem um histórico de comportamento questionável em relação a colegas? Não serve. Utiliza-se tipicamente de artifícios nada diplomáticos, como sarcasmos ou indiretas? Não serve. Não sabe se portar diante de um público de modo harmonioso, polido e sereno? Não serve. Perde a calma facilmente? Não serve.

O Chair não deve ficar batendo papo com os participantes durante sua sessão; ele está ali a trabalho, então, ainda que haja amigos próximos que ele não vê há muito tempo, não é naquele momento que ele deve ficar papeando. O Chair não deve permitir que as apresentações durem o tempo que tiverem de levar para serem concluídas; existe todo um cronograma a ser cumprido, e o andamento que respeite tais horários é de sua responsabilidade. O Chair não deve antagonizar; além de extremamente desrespeitoso, é antiético se posicionar com base em uma atribuição que não lhe compete em um ambiente profissional, que é o caso, e o Chair não é o revisor do trabalho e nem deve se portar como alguém que está ali para “encontrar falhas” nos trabalhos. O Chair só deve atuar com perguntas e comentários no caso de ninguém mais da plateia ter se manifestado, e jamais deve tentar se manifestar antes da plateia, pois tal ato é desnecessariamente deselegante.

Pode parecer uma visão um tanto dura demais aos olhos de muitos, mas isso é necessário para garantir o bom andamento do evento. Não adianta conseguir organizar um evento impecavelmente bem somente em relação ao que vem antes de o evento ocorrer. Todas as etapas anteriores à realização do evento são importantes também, mas o que mais importa mesmo é o que rola durante o evento em si. Se as pessoas chegarem ao evento e lá tiverem uma experiência ruim, o evento terá sido um fiasco.

Pode ter sido no melhor lugar do mundo, pode ter contado com a participação dos mais respeitados autores, pode ter tido um preço baixo, pode ter tido o melhor website, pode ter tido o mais estável sistema de inscrições, pode ter tido o melhor sistema de submissões e revisões… pode tudo isso; agora, se o andamento do evento for comprometido, o evento terá sido ruim; e todos nós sabemos que eventos ruins marcam negativamente e são difíceis de se tirar da memória. Não podemos permitir que algo tão impactante ocorra tão gratuitamente. Vamos passar a levar mais a sério essa posição. Vamos escolher melhor quem ocupa tal posto. Isso pode manchar todo um grupo, toda uma equipe, toda uma instituição, toda uma área. Não é algo com o qual as pessoas deveriam se permitir brincar ou subestimar, sobretudo a partir do momento que o evento toma proporções maiores.

E digo tudo isso sem nem abordar o ponto de vista ético, porque prefiro me iludir aqui e dizer que confio que as pessoas atuantes neste meio jamais cometeriam atos antiéticos. Isso é verdade? Nem de longe! Ainda assim, deixem-me viver esta ridícula fantasia ao menos por agora, mesmo que só neste texto. Enfim, pessoal, vamos levar mais a sério a escolha dos indivíduos que ocuparão a posição de Chair em cada uma das sessões; vamos procurar utilizar critérios mais sérios, e vamos parar com essa bobagem de só considerar quem é “famosinho” em sua área, pois não é isso que define competência para atuar como Chair.

É mesmo verdade que muitos desses grandes pesquisadores são dotados de todas as características necessárias para ser um bom Chair; no caso de alguns, talvez até mesmo em nível de excelência — felizmente, sinto-me honrado por poder dizer que eu mesmo conheço vários assim—; agora, francamente, como não me parece ser o caso da maioria—ou, no mínimo, de uma enorme parcela—, fica a dúvida quanto ao uso de critérios associados a essa fama, a esse reconhecimento na área, a essa notoriedade. Talvez até mesmo alguns alunos, cujos nomes ainda sequer sejam conhecidos, sejam escolhas mais apropriadas em algumas circunstâncias, ou mesmo professores mais novos na área; de repente, quem sabe, até mesmo profissionais contratados para essa função. Só não permitam que algo que poderia ser tão facilmente resolvido estrague toda a experiência.

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Tito Spadini

Ph.D. student in information engineering, scientist, researcher, writer, programmer, and gamer.